quinta-feira, 9 de julho de 2009

A GRIPE É ALTURA DE FALAR CLARO

Texto de João Vasconcelos Costa in http://jvcosta.planetaclix.pt/gripe.html
07.07.2009

"Tenho evitado adiantar projecções de números, para não causar alarmismos, coisa que critiquei a outros. Hoje, foi o próprio director geral que adiantou números, diga-se que de forma serena e adequada ao que também me está a fazer mudar de opinião, a irresponsabilidade de muita gente que anda a escrever na “net” que não há-de ser nada, é tudo alarme da ministra e dos jornalistas. Assim, penso que se justifica alertar a sério as pessoas, naquela atitude que defendi aqui deste o início, é uma situação que exige preocupação informada.
Embora sem que isto exija medidas mais rigorosas do que as que têm sido tomadas em Portugal, é importante pensar-se que a nossa situação está a mudar. Vou resumir, desenvolvendo depois alguns aspectos: i. o número de casos acumulados (claro que a quase totalidade já curados e já não contagiantes) está a aumentar a taxa progressiva. ii. já temos transmissão em Portugal, embora ainda não “comunitária”. iii. começa a ter de se considerar à parte, como simulação da propagação, a situação dos Açores, com crescente número de visitantes das comunidades açorianas nos EUA e no Canadá. iv. como se vê pela relação entre os nossos casos mais recentes e as
Baleares, cheias de turistas ingleses, é preciso estar atento à época turística do Algarve.
O director geral afirmou hoje que o número um pouco mítico de 100 casos podia ser atingido dentro de duas semanas ou até antes. E que, em situação de pandemia, poderíamos ter cerca de 20-25% da população doente. Neste momento, não vou discutir este último número, que creio só se basear na história das duas pandemias da segunda metade do séc. XX. Não faço ideia do que vai ser esta. No entanto, creio que é avisada a atitude do director geral, no sentido de ter isso como base para os planos de intervenção, como discutirei em nota a seguir.
Menos arriscado é olhar para números nos próximos tempos, ainda antes de a pandemia, no hemisfério Norte, como é bem possível, explodir em Outubro ou Novembro. Mesmo assim, é imprevisível como vai ser a cinética dessas duas ondas, a actual a descer eventualmente, depois a grande. A situação de inverno no hemisfério Sul, nos próximos meses, vai ser instrutiva. O que já estamos a ver, na Argentina, Austrália, Chile e Uruguai é uma progressão (9% ao dia) superior ao nível médio mundial (6%). No entanto, em ambos os casos, não está a haver “explosão”, porque a taxa se mantém relativamente uniforme, sem aumento geométrico.
Admitindo que com muita margem de erro, vou considerar optimisticamente que esta primeira onda, no hemisfério Norte, vai começar a cair em meados de Agosto e que a segunda começará em princípio de Outubro, com uma taxa média de progressão três vezes maior do que a da primeira onda. No entanto, insisto, estou a fazer um exercício de adivinhação, embora com alguma racionalidade.
A nível mundial, como disse, a pandemia está a espalhar-se a uma taxa média diária de 6%. Não é muito elucidativa, por ser uma média, mundial, de situações muito diversas. Talvez mais informativa para nós seja a situação inglesa, o caso mais típico de um país que ainda não está em época sazonal de gripe mas que tem grande movimento de viagens e já muita transmissão comunitária. A taxa média de progressão, no último mês, foi de 12,6% ao dia. O outro foco importante com transmissão comunitária, o Japão, tem valores muito próximos.
Também é importante olharmos para a situação do maior foco mundial, o norte americano, que provavelmente vai ser a melhor comparação com o modelo bifásico das pandemias anteriores e que tem para nós a importância especial do movimento de açorianos entre as ilhas e as comunidades americanas - já há 8 casos nas ilhas, em 42 casos portugueses. A taxa a considerar é de 5% ao dia, com grande uniformidade (onda baixa, mas ainda não a cair). Mas que confiança merecem estes números, que são só os de confirmação oficial, de pessoas internadas em hospitais? Escreverei sobre isto, sobre a hipótese séria que se põe de, só nos EUA, já ter havido cerca de um milhão de doentes, número muito maior do que o oficial, de 33.902.
Passemos a Portugal. Vou considerar que o movimento típico das viagens de verão já começou ou até pode aumentar. Estamos agora com 42 casos, com uma taxa de progressão diária, média, de 19,4% e a crescer diariamente a própria taxa de aumento, o que aponta para um aumento exponencial. Como indicador para os planos de contingência, estabeleceu-se como número importante o de 100 casos. Como disse, a ideia da DGS é de o atingirmos dentro de duas semanas. Infelizmente, é erro, porque a projecção dos nossos valores apontam para esse valor daqui a 6 dias. Daqui a duas semanas, se não se alterar a taxa de progressão, teremos cerca de 400 casos e, probabilisticamente, já uma ou duas mortes.
Especulemos, como disse, com uma situação de primeira onda a terminar a meio de Agosto e adoptando, como indicadora muito geral, a taxa de progressão inglesa. Isto porque, apesar de já termos dois casos de transmissão “secundária” (pessoa a pessoa, já em Portugal), foram de contactos próximos. Quando passarmos à transmissão comunitária, na rua e no dia-a-dia, como estou convencido que vai acontecer em breve, a taxa de propagação vai subir.
Nessa data, meados de Agosto, poderemos ter tido já cerca de 37.000 casos, com cerca de 150 mortos se se mantiver a actual taxa de mortalidade. Se este for o número de casos como ponto de partida para uma segunda vaga com três vezes maior taxa de disseminação (cerca de 1,8% ao dia) uma pandemia de três meses (optimismo) afectaria cerca de 3,5 milhões de portugueses, 14.000 mortos. O director geral não estava a exagerar. Depois ninguém diga que não foi prevenido.
E agora, que fazer? Penso que é tempo de dizer muito mais do que, prudentemente, tem sido dito. Fica para amanhã.
Nota - Todos os parâmetros usados neste texto foram calculados a partir dos relatórios qwuase diários da OMS e dos números divulgados pelo Ministério da Saúde
."

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